A sociedade tem dificuldades em
compreender as teses defendidas pelos advogados que atuam no processo, pois
muitas vezes antagônicas e visivelmente conflitantes entre si, passando a
impressão de que uma delas estaria faltando com a verdade.
Muitos Magistrados igualmente,
principalmente os menos experientes na carreira, chegam a buscar solução na
remessa das peças do processo à autoridade policial para apuração de falso
testemunho, por exemplo, na convicção de que, em depoimentos antagônicos,
estaríamos diante do perjúrio ou denominado falso testemunho, conduta violadora
da norma penal e que merece, sem dúvida alguma, sanção.
Entretanto, devemos fazer uma
reflexão sobre a verdade no processo e como ela é buscada pelos advogados ao
defender as versões lhes são apresentadas pelos clientes, e pelos magistrados
quando procuram colher a prova, diante das teses antagônicas e eventual
contradição, tudo com objetivo de buscar a solução do conflito.
Mas tudo gira em torno da verdade
do fato, como criamos nossa versão sobre ele e como esta versão se apresenta no
processo.
Para iniciarmos esta pequena
reflexão, de fundamental importância, ao nosso ver, indagarmos a nós mesmos
sobre o significado do que é verdade, quando focamos no fato a ser provado.
Todo ser humano é dotado de
sentimentos, percepções, sensações, educação, limitações e credos diferentes,
sendo portanto plausível admitirmos que quando estamos diante de um fato, para
que possamos descrevê-lo independentemente, cada pessoa terá a tendência de
destacar o que mais lhe chamou a atenção e, portanto, teremos descrições
diferentes, em que pese todos que forem questionados não tenham a intenção de
faltar com a verdade.
Isto se dá porque somos
diferentes e a forma com que captamos imagens, sons ou experiências do
dia-a-dia serão interpretadas diferentemente, por óbvio, fazendo com que
tenhamos diferentes versões sobre o mesmo fato.
Esta visão diferenciada dos fatos
é evidente logo após a sua constatação, bastando imaginarmos, a título
exemplificativo, que duas pessoas aguardam na faixa de pedestres para
atravessar uma rua em um sinaleiro e presenciam um acidente automobilístico.
Neste exato momento, ao colhermos os depoimentos de ambas as testemunhas, separadamente,
teremos versões diferentes quanto aos fatos, pois as percepções, foco, credo e
visão do que ocorreu, certamente possuem variação entre ambos.
Enquanto uma testemunha do
acidente foca a velocidade, outra foca na velhinha que estava prestes a atravessar
o outro lado da faixa. Da mesma forma, um pode afirmar que o sinaleiro estava
no amarelo, enquanto outro teve a percepção de que a velocidade de um dos
veículos era incompatível para aquele local.
Sendo assim, embora diante do
mesmo fato, ao colhermos a prova de forma isenta, poderemos ter uma aparente
contradição, apenas pela forma divergente de depoimentos.
Outro ponto de fundamental
importância a ser enfrentada é o tempo da coleta da prova, pois ao ser feita
logo após os fatos, a riqueza dos detalhes é muito maior, pois a memória de
cada um está fresca, ativa e focada no fato.
No processo, a prova oral na
maioria das vezes é colhida meses ou até anos de distância do fato, fazendo com
a percepção destes tenham maior possibilidade de serem distorcidas, não por
má-fé, mas sim pela diferença da percepção humana.
Assim, os advogados e magistrados
ao entrarem em contato com os fatos, seja pelo relato de seus clientes antes da
propositura da ação ou quando forem contestá-las, seja na coleta das provas
durante o processo, devem ter a experiência e discernimento da possibilidade de
divergências que não significam, necessariamente, que estamos diante da
tentativa de fraude processual ou mesmo perjúrio.
A verdade no processo deve ser analisada
sob todos os ângulos, com discernimento e bom senso, para que não tenhamos mais
distorções na solução dos conflitos aos cuidados do Poder Judiciário.
Infelizmente, na busca de rapidez
na solução de conflitos, visando melhorar estatisticamente a quantidade de
julgados, aliado ao fato da urgência na postulação, vemos que magistrados e
advogados devem ter mais cautela ao analisar os fatos que levam ao conflito de
interesses postos em Juízo, pois em muitos casos o cuidado na percepção de
várias circunstâncias ligadas a eles, evitariam demandas ou mesmo eliminariam a
angústia do magistrado em supor haverem desrespeitado sua autoridade na coleta
da prova, quando na verdade estamos diante de uma simples razão: a limitação
humana.
JOSÉ ANTONIO CORDEIRO CALVO
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