No exercício da advocacia, enfrentamos ao longo dos anos, algumas questões jurídicas que se perpetuam nos Tribunais e são focos de conflitos de interesses em processos judiciais, interferindo no dia-a-dia dos cidadãos.
Uma das questões conflituosas, responsáveis por um número crescente de ações trabalhistas, refere-se à interpretação legal e jurisprudencial da diferenciação entre empregada doméstica e diarista autônoma, especialmente no que tange ao vínculo de empregado e em que momento ele se forma.
A profissão de empregada doméstica é definida no artigo 1º da Lei nº 5.859/1972, que estabelece ser a pessoa física que "presta serviços de natureza CONTÍNUA e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas"(destaque nosso). Por outro lado, o artigo 3 da CLT, define empregado como aquele que presta serviços de natureza NÃO EVENTUAL, sob a dependência do empregador e mediante salário.
Pois bem, a discussão está na interpretação do texto prevalente, daí porque inúmeras decisões são conflitantes nos Tribunais do País, gerando insegurança jurídica a toda a população brasileira.
Assim, independentemente da diferenciação semântica, por ter o empregado doméstico legislação específica em que estabelece como requisito para o vínculo a CONTINUIDADE na prestação de serviços, não se pode aplicar a norma de caráter geral, prevista na CLT. O debate se há diferenciação entre os termos NÃO EVENTUAL (CLT) e CONTÍNUO(lei especial), para esse fim, é superado.
Vemos como questão central é estabelecer QUANDO estamos diante de uma prestação de serviços CONTÍNUA ou CONTINUADA, caracterizadora do vínculo de emprego doméstico, especialmente diante da realidade laboral de prestadoras de serviço que trabalham em uma, duas ou três dias na semana, dias esses muitas vezes pré-estabelecidos e bem definidos, de forma rotineira, em que pese o trabalho em diversas casas ao longo da semana.
Da mesma forma, verificamos o silêncio da legislação nesse particular levando a discussão aos Tribunais, criando jurisprudência, construindo uma orientação dominante e que pode ser alterada, na medida em que mudam as composições dos Tribunais, com ingresso de novos Desembargadores em face da necessidade de substituição de outros por diversos motivos, incluindo a aposentadoria.
O entendimento prevalente no Tribunal Regional do Paraná, colhido em recentes julgamentos na 1ª. Turma (TRT-PR-30050-2009-016-09-00-4-ACO-26303-2010), 3ª. Turma (TRT-PR-00306-2009-089-09-00-9-ACO-16011-2010) e 4ª. Turma (TRT-PR-01103-2009-657-09-00-4-ACO-10985-2010), exemplificadamente, direciona a tese de que estaríamos diante da CONTINUIDADE prevista na Lei dos Domésticos, quando há prestação de serviços de no mínimo 3(três) dias na semana, critério adotado de forma subjetiva pelos Eminentes Desembargadores.
Assim, quando a prestação de serviços doméstico se dá em até 02(dois) dias na semana, mesmo que em dias específicos e já definidos, o entendimento é de que não haveria o requisito da CONTINUIDADE, afastando o vínculo empregatício, critério esse que pode ser alterado processo a processo, dependendo da composição da Turma.
Por outro lado, o Egrégio TST (Tribunal Superior do Trabalho), apenas para aguçar o debate, em 2009 decidiu pela ausência de vínculo, quando o labor se dá em 02(dois) ou 03(três) dias na semana(TST-RR 17.676/2005-007-09-00.0), afastando assim a presença do requisito da continuidade na prestação de serviços naquele caso específico.
Polêmicas à parte, dão conta que infelizmente no Brasil, as divergências existentes há anos só prejudicam a sociedade, pois gera insegurança jurídica, conflito de interesses e abarrotam o Judiciário com processos que poderiam ser solucionados com uma mudança legislativa no texto da lei, de forma clara e definitiva, pacificando a relação entre as partes envolvidas.
Nosso pensamento diverge da interpretação de ambos os Tribunais citados, pois a continuidade deve estar atrelada à vontade e intenção de manter o vínculo contínuo, não importando se em 01(um), 02(dois) ou 03(três) dias na semana. Nesta seara, quando o(a) trabalhador(a) doméstico(a) não tem dia fixo, podendo ser chamado a qualquer instante e em dias esporádicos, o requisito estaria afastado. Do contrário, havendo pré-determinação de dia e rotina semanal, há vontade manifesta na conduta pelo trabalho contínuo, com a presença do requisito e formação do vínculo empregatício.
A solução está no legislativo, pois o fim do Direito é a pacificação, com o bem estar da sociedade. A elaboração de normas claras é um processo legislativo continuado e um aprendizado, daí a importância da escolha de nossos representantes quando das eleições. Quanto mais capacitado e qualificado forem o Congresso Nacional (como no presente caso em que a legislação é federal), Assembléias Legislativas Estaduais e Câmara de Vereadores, maior qualidade teremos na legislação com maior eficiência, em benefício da própria sociedade, aparando arestas que sufocam o Judiciário e angustiam os cidadãos.