O Brasil atual é um Estado laico,
ou seja leigo, diferindo do Estado religioso, no qual é adotada uma religião
oficial, pela própria Constituição Federal.
Nem
sempre foi assim, pois a Constituição
Imperial brasileira de 1824, em seu artigo 5º, dispunha: “A Religião Cathólica
Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras
Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para
isso destinadas, sem forma alguma exterior do Templo”.
Atualmente,
por força do artigo 19, I da Constituição Federal, o Estado e entes federativos
são proibidos de adotarem uma religião oficial. Para melhor elucidar, o destaque
do texto legal atual é relevante, a saber: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas,
subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus
representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei,
a colaboração de interesse público.”
Portanto,
Estado leigo se difere de Estado religioso, no qual a religião faz parte da sua
própria constituição. Na mesmo medida, embora laico, o Estado brasileiro, de
acordo com a sua Constituição, deve dispensar tratamento igualitário a todas as crenças religiosas, incluindo a não
crença, sem adotar nenhuma delas como sua religião oficial.
Ultimamente, alguns
Municípios têm, através de seu processo legislativo, editado leis municipais
que OBRIGAM AS BIBLIOTECAS PÚBLICAS EM
MANTER BIBLIAS CATÓLICAS EM SEU ACERVO, seja em número único, ou em
quantidade maior, levando-se em conta a conhecida maioria católica presente no
Município.
O
propósito, segundo dizem, é possibilitar acesso ao texto bíblico àqueles que
não possuem condições de adquirir o livro sagrado dos católicos.
Imediatamente
vozes contrárias surgiram, sustentando a inconstitucionalidade das referidas
Leis Municipais, fundamentado no art. 19, I da Constituição Federal em vigor e
no fato de não poder o Estado adotar uma religião, sendo que, ao obrigar as
bibliotecas públicas manterem a Bíblia católica em seus acervos, estariam
adotando a religião católica como oficial, privilegiando-a.
Segundo
noticiado pela imprensa nacional, o Procurador Geral da República estaria
ingressando com ação direta de inconstitucionalidade das referidas leis,
respaldando seu pedido no art. 19, I da Constituição Federal e na necessidade
do Estado e entes federativos, dos quais o Município faz parte, ser laico.
Em
que pese ser relevante a discussão, entendemos que o Poder Judiciário não pode
confundir o ESTADO LAICO, com o ESTADO ATEU.
Significa
dizer que em que pese ao Estado brasileiro não ser permitido possuir uma
religião oficial, não significa que deve simplesmente abolir a divulgação ou
compreensão de religiões em bibliotecas, pois estaria violando outro direito
fundamental, estampado no art. 5º, VI da própria Constituição, a saber: “Art.
5. VI - é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a
suas liturgias;”.
Em
que pese complexa a matéria, sob o ponto de vista jurídico, entendemos ser
indispensável à sociedade, ter disponibilizados exemplares de todas as
religiões em bibliotecas públicas, que podem inclusive receber doações, para
que a população possa buscar os ensinamentos religiosos de seu culto ou crença
de forma independente e livre.
Assim,
o argumento para sustentar a inconstitucionalidade das Leis Municipais
referidas, não nos parece o melhor, pois nestes casos o Estado ou entes
federativos através da lei não escolheram a religião católica como oficial, pois
não podemos entender o Estado como ateu, mas apenas um Estado é laico.
Os membros do Poder
Legislativo Municipal, por seu turno, devem readequar referidas leis a evitar
discussões jurídicas, por vezes intermináveis, permitindo sejam
disponibilizados exemplares de toda e qualquer religião, sem dar preferência a
qualquer delas, pois certamente entre os munícipes existem em maior ou menor
número, adeptos de uma ou outra religião.
As
religiões que se sentirem lesadas, por seu turno, podem buscar no poder
judiciário, prevalecer o direito ao credo de seus adeptos, obrigando os entes
federativos a manter em suas bibliotecas os livros sagrados ou escrituras de
suas crenças religiosas.
Devemos
pensar no bem da sociedade e na liberdade de crença religiosa, sem preferências
ou limitações, atingindo, assim, o objetivo social que é a convivência
harmônica entre todos, independentemente de seu credo.
José Antônio Cordeiro Calvo
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