terça-feira, 4 de novembro de 2014

A VERDADE NO PROCESSO SOB A ÓTICA DO ADVOGADO E DO MAGISTRADO

A sociedade tem dificuldades em compreender as teses defendidas pelos advogados que atuam no processo, pois muitas vezes antagônicas e visivelmente conflitantes entre si, passando a impressão de que uma delas estaria faltando com a verdade.

Muitos Magistrados igualmente, principalmente os menos experientes na carreira, chegam a buscar solução na remessa das peças do processo à autoridade policial para apuração de falso testemunho, por exemplo, na convicção de que, em depoimentos antagônicos, estaríamos diante do perjúrio ou denominado falso testemunho, conduta violadora da norma penal e que merece, sem dúvida alguma, sanção.

Entretanto, devemos fazer uma reflexão sobre a verdade no processo e como ela é buscada pelos advogados ao defender as versões lhes são apresentadas pelos clientes, e pelos magistrados quando procuram colher a prova, diante das teses antagônicas e eventual contradição, tudo com objetivo de buscar a solução do conflito.

Mas tudo gira em torno da verdade do fato, como criamos nossa versão sobre ele e como esta versão se apresenta no processo.

Para iniciarmos esta pequena reflexão, de fundamental importância, ao nosso ver, indagarmos a nós mesmos sobre o significado do que é verdade, quando focamos no fato a ser provado.

Todo ser humano é dotado de sentimentos, percepções, sensações, educação, limitações e credos diferentes, sendo portanto plausível admitirmos que quando estamos diante de um fato, para que possamos descrevê-lo independentemente, cada pessoa terá a tendência de destacar o que mais lhe chamou a atenção e, portanto, teremos descrições diferentes, em que pese todos que forem questionados não tenham a intenção de faltar com a verdade.

Isto se dá porque somos diferentes e a forma com que captamos imagens, sons ou experiências do dia-a-dia serão interpretadas diferentemente, por óbvio, fazendo com que tenhamos diferentes versões sobre o mesmo fato.

Esta visão diferenciada dos fatos é evidente logo após a sua constatação, bastando imaginarmos, a título exemplificativo, que duas pessoas aguardam na faixa de pedestres para atravessar uma rua em um sinaleiro e presenciam um acidente automobilístico. Neste exato momento, ao colhermos os depoimentos de ambas as testemunhas, separadamente, teremos versões diferentes quanto aos fatos, pois as percepções, foco, credo e visão do que ocorreu, certamente possuem variação entre ambos.

Enquanto uma testemunha do acidente foca a velocidade, outra foca na velhinha que estava prestes a atravessar o outro lado da faixa. Da mesma forma, um pode afirmar que o sinaleiro estava no amarelo, enquanto outro teve a percepção de que a velocidade de um dos veículos era incompatível para aquele local.

Sendo assim, embora diante do mesmo fato, ao colhermos a prova de forma isenta, poderemos ter uma aparente contradição, apenas pela forma divergente de depoimentos.

Outro ponto de fundamental importância a ser enfrentada é o tempo da coleta da prova, pois ao ser feita logo após os fatos, a riqueza dos detalhes é muito maior, pois a memória de cada um está fresca, ativa e focada no fato.

No processo, a prova oral na maioria das vezes é colhida meses ou até anos de distância do fato, fazendo com a percepção destes tenham maior possibilidade de serem distorcidas, não por má-fé, mas sim pela diferença da percepção humana.

Assim, os advogados e magistrados ao entrarem em contato com os fatos, seja pelo relato de seus clientes antes da propositura da ação ou quando forem contestá-las, seja na coleta das provas durante o processo, devem ter a experiência e discernimento da possibilidade de divergências que não significam, necessariamente, que estamos diante da tentativa de fraude processual ou mesmo perjúrio.

A verdade no processo deve ser analisada sob todos os ângulos, com discernimento e bom senso, para que não tenhamos mais distorções na solução dos conflitos aos cuidados do Poder Judiciário.


Infelizmente, na busca de rapidez na solução de conflitos, visando melhorar estatisticamente a quantidade de julgados, aliado ao fato da urgência na postulação, vemos que magistrados e advogados devem ter mais cautela ao analisar os fatos que levam ao conflito de interesses postos em Juízo, pois em muitos casos o cuidado na percepção de várias circunstâncias ligadas a eles, evitariam demandas ou mesmo eliminariam a angústia do magistrado em supor haverem desrespeitado sua autoridade na coleta da prova, quando na verdade estamos diante de uma simples razão: a limitação humana.

JOSÉ ANTONIO CORDEIRO CALVO

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